ARTIGO: Uniões estáveis homoafetivas e a vitória do bom senso contra o preconceito



E a decisão da corte constitucional brasileira (Supremo Tribunal Federal) tão esperada por cerca de 120 mil almas, segundo os dados obtidos no Censo 2010 do IBGE, finalmente veio à luz!
O julgamento de duas ações em que se buscava a equiparação das uniões informais homoafetivas (entre pessoas do mesmo sexo) às uniões estáveis formadas entre homens e mulheres, ocorrido no dia 05 de maio de 2011, no Plenário do STF, é, sem sombra de dúvida, histórico e se põe como a maior vitória, até este momento, dos homossexuais contra o preconceito e a discriminação, de que, infelizmente, ainda são vítimas em alguns setores da sociedade brasileira.
Na prática, a decisão proferida pelo STF não viabiliza a realização de casamentos formais entre pessoas do mesmo sexo. Esta revolução, pelo que sentimos, ainda ocorrerá nos próximos anos, seja com amparo noutra decisão judicial inovadora e despida de preconceitos a respeito, seja com alterações na legislação nacional.
Por enquanto, a novidade está no fato de que a cúpula do Poder Judiciário nacional pôs o dedo em riste contra o preconceito e a discriminação e disse: “Assim como os casais formados por homens e mulheres, ou como os núcleos familiares formados por um dos genitores apenas e seus filhos (as chamadas famílias monoparentais), vocês, pessoas do mesmo sexo unidas por laços afetivos e que vivem como se casados fossem, são uma FAMÍLIA, uma entidade familiar, digna da proteção e do amparo do Estado brasileiro”.
A primeira consequência deste precedente judicial “vindo de cima” será influenciar positivamente uma parcela ainda maior dos juízes de primeira e de segunda instâncias dos tribunais estaduais a dar tratamento, dentro de processos judiciais, aos conflitos de casais formados por pessoas do mesmo sexo muito semelhante ao dispensado aos conflitos daqueles formados por homens e mulheres que vivem juntos sem a formalidade do casamento.
A diferença, de agora em diante, será notada desde o momento em que se apresentar ao Judiciário uma petição inicial buscando o reconhecimento da existência de uma união estável entre duas pessoas do mesmo sexo, sua dissolução formal e a partilha de bens em caso de desentendimento entre as partes.
Se, antes, estas uniões eram vistas por boa parte do Judiciário friamente como meras “sociedades de fato”, e a solução dos conflitos delas decorrentes ficava sob a responsabilidade de um juiz cível comum, como se fossem meros negócios comerciais, hoje, reconhecidas como FAMÍLIA e entidade familiar, serão submetidas a um juiz especializado em Direito de Família e Sucessões, mais preparado sob o ponto de vista jurídico e prático para lidar com as questões materiais e emocionais que envolvem esta espécie de relacionamento afetivo.
Além disso, para aqueles casais homoafetivos que não tiverem o cuidado de redigir contrato elegendo as regras de comportamento e patrimoniais que desejam fazer valer para suas uniões, os processos para reconhecimento da existência de suas uniões e para a partilha de bens comuns em caso de separação terão andamento com menor dificuldade. Isso porque, na falta de contrato em que o casal combine, por exemplo, viver sob um regime de separação total de bens, o juiz, inspirado pela recente decisão do STF, aplicará a regra válida para os casais heterossexuais que determina que se aplique ao seu caso, no que couber, o chamado Regime da Comunhão Parcial de Bens, válido também para os casamentos.
Em suma, o maior trabalho que terão os envolvidos nestes processos de separação de casais homossexuais, assim como os envolvidos em inventários caso um deles vier a falecer (já que, por extensão, as regras referentes à herança entre companheiros válidas para as uniões estáveis heterossexuais, se adotado o entendimento do STF aqui noticiado, tendem também a ser aplicadas para as uniões homoafetivas), será o de comprovar a existência da união e o seu reconhecimento pelas pessoas próximas, pelo meio social em que vivem, como núcleo familiar, como vínculo afetivo constituído para formação de uma família formada por pessoas do mesmo sexo.
Feito isso, na falta de um contrato contendo regra patrimonial diferente, e comprovada a aquisição de forma onerosa (diferente daquela provocada por doações gratuitas e por heranças) de bens no período pelo qual a união perdurou, será aplicada a regra geral da Comunhão Parcial, e estes bens deverão ser partilhados, em caso de separação, pela metade por cada integrante do casal, presumindo-se esforço comum dos envolvidos, em igualdade de condições, para a constituição deste patrimônio.
Antes desta equiparação com as uniões informais entre pessoas de sexos diferentes, as uniões de pessoas de mesmo sexo eram tratadas, como já dito, como “sociedades de fato” e, mais que provar a existência e a duração da união e apontar os bens adquiridos durante sua vigência para partilha, os envolvidos ainda necessitavam comprovar sua colaboração financeira para a aquisição destes bens, e nem sempre seriam eles partilhados meio a meio. O que seria recebido dependia da prova que o interessado fizesse do percentual financeiro com que contribuiu durante a união para a aquisição deste ou daquele bem. Isso não mais será necessário, se o julgador que cuidar do caso filiar-se ao precedente vindo do STF. As vantagens para os casais homoafetivos, com esta novidade, são evidentes (inclusive no que se refere ao direito de herança, que, antes, a não ser em alguns casos de testamento, nem teria como ser invocado).
Fora isso, com a equiparação promovida pelo STF, o companheiros do mesmo sexo, uma vez reconhecidos como Família pelo juiz competente para análise de seu caso, também inspirado pelo precedente que vem do STF, poderão pedir pensão alimentícia um ao outro, caso um deles necessite desta contribuição para sobreviver, não tenha meios para prover o próprio sustento, e o outro possa arcar com ela.
A decisão do STF não traz, contudo, novidades aos casais homoafetivos no aspecto previdenciário e no campo da adoção de menores.
Já há algum tempo, decisões judiciais inovadoras proferidas pela Justiça Federal levaram órgãos previdenciários, inclusive o INSS, a admitir como beneficiário de segurado, em caso de pensões por morte, auxílio família e auxílio reclusão, o companheiro inserido em união estável homoafetiva. Tão pacíficas as decisões neste sentido, que os próprios órgãos previdenciários baixaram normas internas estabelecendo a documentação aceita como prova de união estável homoafetiva para fins de cadastramento de companheiro homossexual como beneficiário de segurado. A mesma linha tem seguido os planos de saúde, muitos até espontaneamente e sem a pressão de decisões judiciais. Tem-se notícia de planos de saúde em alguns estados brasileiros que abertamente fazem publicidade de planos familiares especialmente moldados para famílias formadas por parceiros do mesmo sexo.
No campo da adoção de crianças, nos últimos anos também foram proferidas decisões judiciais revolucionárias, embora poucas ainda, permitindo-se a adoção não só por um, mas por dois pais ou duas mães.
Fato é que, queiram ou não alguns, e preconceitos e discussões acaloradas sobre a homossexualidade à parte, os casais homossexuais existem, e, como qualquer casal e ser humano, têm direito a amar, ver este amor respeitado, e desfrutarem de garantias jurídicas nesta espécie de relacionamento. A omissão da legislação brasileira na proteção jurídica destas uniões é inadmissível, assim como a demora, provocada pelos integrantes mais conservadores do Legislativo, na tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional em que se tenta textualmente criar instrumentos para sua proteção.
Felizmente, se o Legislativo não cumpre a contento seu papel de dar proteção legal a cidadãos de que dela necessitam, o Poder Judiciário, que iniciou movimentação tímida neste sentido, provocado pelo calor das discussões travadas entre Advogados das partes, Ministério Público e Magistrados, obrigados dia a dia a enfrentar a realidade e o sofrimento da cidadania e dar solução a problemas que outros setores sociais insistem, por preconceito, ignorar, agora parece querer recuperar o tempo perdido e sanar omissões estatais envolvendo os homossexuais. Já havia passado da hora.
De todas as vitórias colhidas pelos homossexuais nos últimos anos esta, equiparando casais formados por pessoas do mesmo sexo a entidade e núcleo de caráter familiar, é a mais expressiva. Certamente, outras virão.
Nunca é demais dizer, no entanto, que todo incremento no reconhecimento de direitos pressupõe ampliação, também, de deveres e obrigações. Logo, o que se recomenda aos casais homoafetivos é que, na medida em que suas uniões estáveis vêm ganhando contornos jurídicos e reconhecimento oficial, não descuidem de buscar junto aos advogados de sua confiança orientações mais pontuais e específicas sobre seus casos, evitando sobressaltos e conflitos em casos de separação ou de morte de um dos companheiros.

Dr. Gilberto Bendini de Pádua
Advogado familiarista e sócio patrimonial do Escritório Domingos Assad Stoche Advogados Associados, de Ribeirão Preto/SP


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